Há quem ache que a astrologia influencia a vida das pessoas, e busque explicações para traços de sua personalidade no seu mapa astral. Então decidi fazer uma espécie de mapa astral, mas sem ser de signos.... pera .... a coisa toda do mapa astral é justamente os signos… então… pode não fazer muito sentido, mas, vá lá. Meu PC astral vem de paralisia cerebral e astral.... bom, vem de astral mesmo.
Olá, sou a Júlia e sou uma leonina do dia 1º de Agosto de 1985. Tenho uma deficiência física que ganhou o nome de ataxia. Essa ataxia é de causa indeterminada, e de nascença. Na verdade, é Paralisia Cerebral do tipo atáxica...mas vamos chegar nisso já já. É o seguinte, entrei nos meus 36 anos, não posso dizer que não me chateia quando lembro das coisas de que me chamaram, dos rótulos que me puseram. Tem rótulos até hoje né... Procuro ficar de bom astral, não é fácil não minha gente, dá vontade de jogar tudo para cima e mandar algumas pessoas para aquele lugar, sabe. Mas segue o bonde que o mundo dá voltas... Eita ferro hahaha
Comecemos explicando que raios é paralisia cerebral. Paralisia cerebral é qualquer tipo de lesão no cérebro. Existem diferentes tipos de paralisia cerebral. A minha se chama paralisia cerebral atáxica e, isso afeta a coordenação motora e o equilíbrio. O que ocasionou isso? Não sabemos. Por isso o nome completo do que me acompanha é: Paralisia cerebral do tipo atáxica de etiologia indeterminada.... Houve um tempo que eu ia atrás de respostas a essa pergunta, qualquer que fosse, toda vez que tinha oportunidade… Hoje em dia, por tudo o que já fiz e que já passei, descobrir uma possível causa talvez não fizesse muita diferença para mim. E se, caso houver, algum dia, uma explicação ou resposta, seria legal saber. Mas acho que para mim não mudaria nada ou, talvez, quase nada.
Parece assustador né.... E, às vezes é mesmo, ainda mais quando não se sabe de onde vem, para onde vai, o que faz etc. Mas, creio eu, o mais assustador é não ter informação sobre isso e simplesmente aceitar por ser mais fácil... aceitar no sentido de aceita que dói menos... o caminho mais fácil, sem perguntas, sem pesquisa, só o que dizem e pronto. Mas não quero ser assim, que aceita calada a situação, e não sou, caras pessoas! Não aceito isso calada não, acredito que devemos sim saber o que se passa, devemos pesquisar mais sobre o que acontece e, como acontece, que conseguiremos sim, e, como cada pessoa é única, saber e relatar como isso afeta cada um de nós. E mais, não resumir tudo ou quase tudo que você faz ou não a um diagnóstico que foi lhe dado... hum...tipo assim... Há muito tempo. Qual é? Somos mais que isso, gente...não que diagnósticos não sejam necessários, é claro que são, mas limitar-se a eles, pera lá né! Nasci com essa condição que não posso mudar, mas sim conviver da melhor maneira possível. E, também acredito, poder lidar com o que outras pessoas vão falar, porque vão, viu, não vamos tapar o sol com a peneira. Hoje penso assim. Demorou um tantinho para que amadurecessem essas ideias, muita água passou, mas no final das contas ainda estou aprendendo…
Seria muito mais cômodo aceitar que não podemos fazer isso ou aquilo por causa de uma deficiência, é mais fácil… fácil para quem!? Não é fácil ouvir alguém dizer que você não consegue fazer alguma coisa, sem sequer falar com a gente antes e procurar se informar melhor. A realidade é esta, meus amigos: limitações podem e, na maioria das vezes, geram mais limitações a nossa busca de autonomia. De tanto falarem que você não pode fazer isso ou aquilo, você pode “pôr na cabeça” que não vai conseguir, e efetivamente não consegue, mesmo porque pode dar um medo louco só de tentar fazer alguma coisa que possa dar errado. Entendo que ajam dessa maneira, às vezes, por nos querer bem e se preocupar com nosso bem estar.
Já me senti muito patinho feito por zoarem da minha aparência e das minhas pernas, falavam que eu andava de um jeito engraçado e coisas desse tipo. Tenho que lidar com isso todos os dias, hoje menos que antes. Lidar com algo implica escolha. Nascer assim não é algo que eu tenha escolhido, mas convivo. Escolhi e ainda escolho como vou viver a partir daquilo que tenho né.... Então, agora posso sim escolher como determinada situação me afeta, pessoas me afetam... tenho a escolha de me afastar ou não, de ligar para o que as pessoas dizem. Veja bem, acho que não é tanto o que dizem, mas como dizem. Não tem uma fórmula para lidar com isso. Não somos ensinados a viver com nossas limitações, é difícil. Mas acredito que, mesmo com algumas situações e circunstâncias, esteja me saindo bem.
Olha só, tem gente que fala que quem é do signo de leão é narcisista, tem autoestima lá em cima, é orgulhoso e sabe-se lá mais o que. Pois bem, como tenho só 1,57 de altura, coisas lá em cima não me representam ... Mas, tirando as brincadeiras de lado, minha autoestima posso dizer que foi sendo construída ao longo dos tempo devido ao bullying nas escolas e outros lugares. Hoje, posso não ser a pessoa mais linda do mundo, nenhuma Marilyn da vida (esse já foi o padrão de beleza, né?), mas sei que devo ter meus atrativos, afinal, não sou só pernas que às vezes me fazem perder o equilíbrio, gosto de algumas partes do meu corpo e outras não, acho que todo mundo é assim. Até que sou bonita vai! Outra característica de leão que encontrei foi coragem...ok, posso dizer que seja uma pessoa corajosa, mas sei a hora de me recolher também...sou doida, mas nem tanto.
Ascendente em escorpião… Não sei direito o que significa, mas também já falaram algumas coisas bem ruinzinhas desse bicho aí, viu. Bom, não sei o que isso me afeta de fato, mas já ouvi falar que é a primeira impressão da pessoa. Dito isso, acho que a primeira impressão que alguém tem de mim é, talvez, que seja uma boa amiga, uma pessoa engraçada. Não sei, nunca me deu vontade de perguntar o que acham de mim, normalmente já saem julgando mesmo. Só acho que julgar nunca é legal, mas se quiserem julgar, conheçam a pessoa antes. Quer saber, eu te conto, este diz que diz me cansa muito...não sou obrigada tá bem. Escorpião, pelo que pesquisei, está relacionado a intensidade e, realmente sou bem intensa, às vezes até de mais. Se, segundo o ditado, a primeira impressão é a que fica, não sei se isso é uma boa coisa não. Hahaha
Vamos lá... lua… ah lua....minha lua é em aquário, já achei que era porque gosto de nadar, água hahaha viajei né. Bom, aquário é signo de ar então, deixa eu ver...viajar, outros ares… às vezes viajo sem nem sair do lugar ... Quem nunca né? kk Bom, me parece que sua lua tem a ver com sentimentos, verdade? Não sei, mas se for isso mesmo, os meus são meio instáveis, confusos, eu acho. Na verdade, acho que os de muita gente também. Aquário está relacionado a independência… Vem cá, de qual estamos falando? Independência emocional, financeira, total, parcial...Costumo falar que sou uma pessoa dependente independente. Primeiro e antes de tudo, ter uma deficiência muitas vezes requer ajuda de terceiros, então tudo que posso fazer sozinha eu faço, tento de um jeito, se não conseguir, tento de outro jeito e, com muita alegria, não é do meu feito desistir não e, o que não dá para fazer, que são mais difíceis, mais complexas, peço ajuda ou, em último caso, não faço.
Bem, claramente não entendo muito bem de signos e mapa astral, ganhei um de aniversário uma vez, mas não entendi direito, são muitas casas, trânsitos, outros signos no seu signo etc. Também tem muitos estereótipos né, tal signo é assim, tal signo é assado. Cada pessoa é diferente, tem características e vivências diferentes. Resumindo, o que acho é que nem todo mundo do signo tal é de um jeito, assim como do signo assado.
Mas enfim, o foco aqui não é signo, é astral sim, mas é de um jeito diferente... Vamos lá?
Sou desequilibrada, ok. Não no sentido de perturbada da cabeça. No sentido literal mesmo: meu equilíbrio é instável, tem dias que está melhor e dias que está pior, dias que estou mais desequilibrada, não entendo bem as variáveis envolvidas, que atrapalham ou não a forma como ando, mas sei que definitivamente tem algo aí e não é só referente à ataxia, acho que tem mais coisa aí. Me pergunto quais os processos podem ajudar ou atrapalhar meu caminhar. Digo às vezes que sou uma equilibrista em uma corda bamba que está no chão. HAHA! E, claro, meu equilíbrio vai comigo aonde eu for... não tem como deixar em casa né. Não sei vocês, mas eu tenho uma espécie de voz na cabeça que fica perguntando assim: - será que você dá conta? Ou – vamos tentar? Ah, tenho de dizer que, apesar de já ter tido vergonha de pedir ajuda, aprendi que tudo bem pedir, não é sinal de fraqueza.
Como para quase tudo na vida tem dia, adivinhem, temos um dia também. E eu adoro uma comemoração, não só dias festivos, como aniversário, natal, etc. Falou em comemorar alguma coisa, estou dentro. Aliás, acho que comemoro quase todo dia, mesmo sem ter dia específico. Mas, a título de curiosidade, não só para os outros mas para mim também, o dia da luta da pessoa com deficiência é dia 21 de Setembro. O dia mundial da paralisia cerebral é em 6 de Outubro. Já no dia 11 do mesmo mês é o dia da pessoa com deficiência física. O dia internacional da pessoa com deficiência fica no mês de Dezembro, é 3. Também temos uma semana inteira em Agosto, que vai do dia 21 ao dia 28, que é a semana nacional da pessoa com deficiência intelectual e múltipla.
Você é especial? Eu, modéstia à parte, sou, quer dizer, acho que sou haha... Para minha família, meus amigos, e eles são especiais para mim também. Você deve ser especial para alguém, ou ter alguém especial na sua vida.... Sabe, especial é um adjetivo e, acho que quando empregam essa palavra para se referir a alguém com deficiência nunca me pareceu que estivessem elogiando, ou estou errada? Porque, pelo dicionário, especial é um adjetivo que você dá para uma coisa ou uma pessoa. Pode ser um lugar ou um momento especial também. Isso nunca me incomodou, mas acho importante falar que se você quiser colocar a palavra especial em uma frase, veja bem como usá-la.
Ser deficiente não me torna mais ou menos especial que ninguém. Alguns teimam em se referir a uma pessoa com deficiência desta maneira. Acredito que tenho pessoas especiais na minha vida, que fazem com que meus dias, o lugar onde estou, alguns momentos, sejam tão especiais e fantásticos.
Sou mais lenta que algumas pessoas. Lenta para aprender, por exemplo. Aprendo, mas não sou nenhuma the flash. Levo um pouco mais de tempo para isso. Escrevo mais lentamente também. Sou mais lenta para fazer algumas coisas, para me deslocar de um lugar a outro, e tenho medo de me desequilibrar e cair. Isso é complicado quando as pessoas não são assim, e aí, gritar e brigar sem pensar nas consequências não dá. Adquirimos, por assim dizer, algumas técnicas, alguns mecanismos para dar conta de nossas demandas enquanto uma pessoa que tem uma deficiência, tendo consciência de nossas limitações.
Um fato: meu apelido na camiseta de formatura da 8ª série foi Robocop, um dos apelidos que me deram na escola. Hoje, não ligo, acho até que curto, mas, na época, me chateava muito. Uma vez, ao sair da faculdade, fui ao cinema e disse para minha amiga que iria assistir um filme que inspirou meu apelido....
Não tenho vergonha da minha deficiência, ela veio comigo, está comigo em todos os momentos da minha vida e vai embora comigo quando chegar a hora. Não vejo por que “anunciar” que tenho uma deficiência. Entendo que a classificação, por assim dizer, às vezes seja necessária, mas para mim isso só reforça os inúmeros rótulos que nos colocam. Eventualmente os outros percebem, mesmo que às vezes demore um pouco.
Já somos tão estigmatizadas, se você é mulher tem que ser como a sociedade diz que a mulher tem quer ser. Ser mulher e uma pessoa com deficiência então... e, não é bem visto você querer ser outra coisa a não ser aqueles estereótipos, aqueles padrões que a sociedade impõem ao longo dos anos, parece que não levam a sério mulheres que escolhem várias faces de si mesma: a engraçada, a amiga, a companheira de bar (mesmo que não beba muito), namorada, enfim, tudo o que você quiser ser. E, por ser uma mulher com deficiência, você tem menos escolhas ainda. Onde está escrito que só pode ser uma coisa? Recuso-me a me definirem como algo só, sou quem quero ser ou quantas quero ser... "Eu sou o que sou e já desfruto disso". É... sou e sei disso. Às vezes usamos isso como uma espécie de escudo (acho que é isso mesmo) e ficamos com medo de ficarmos vulneráveis lá fora, diante do que teremos que enfrentar. E é feio, eu vi. Pessoas que são diferentes podem ser tratadas como se tivesse algo contagioso ou algo assim. Pessoas com pensamento pequeno, a meu ver, podem ser tão cruéis. Por isso e por não nos aceitarmos como somos, nos escondemos em nós mesmos para nos defendermos e até fugirmos de alguma situação que nos machuque. Mas, exatamente por sermos assim, devemos dizer: "eu quero, eu posso, eu consigo". Somos seres humanos também e queremos igualdade. A sociedade não pode estabelecer o que somos e como devemos ser. " Para mim, ser diferente é normal" Pronto falei :) Se bem que até a palavra normal já me soa meio estranha.
Medo… Todo mundo tem, mas meus medos encaro hoje mais como meus aliados e não como uma ameaça. Xii, isso soa como frase de livro de autoajuda, mas, para mim, é a mais pura verdade. Tenho diálogos longos comigo mesma e cá para nós pode ser bem interessante ser seu próprio locutor e ouvinte. Entendo que o medo ronda, preocupações fazem parte do cotidiano e às vezes podem se tornar monstros capazes de nos fazer desistir de tudo que queremos. Uma coisa te digo, famigerado medo, você não vai ser maior que eu, apesar da minha estatura... Medo de você já tive e agora, o nervosismo que gosta de estremecer as bases deixando tudo sem cor, meu amor, aqui você não se cria mais não. Agora, colocando os pingos nos is, posso prometer isso: vou tentar e, se não der certo, tento de novo até encontrar uma maneira de conseguir.
Relacionamentos… Difícil falar disso e também de viver. De qualquer ordem. Não tem fórmula. Quando mais nova, não entendia muito bem por que me excluíam, não me queriam por perto, me afastavam... Na verdade, ainda hoje, de vez em quando fico achando que têm vergonha de mim, mas depois falo disso. Enfim, hoje, depois de pensar muito a respeito, imagino a pressão que deva ser ficar com uma pessoa tão diferente de você, com particularidades tão distintas. Não estou justificando nada nem ninguém, é que as pessoas aprendem desde muito cedo e reproduzem que as diferenças devem ser afastadas. São ensinadas a agir e a pensar conforme os padrões e quem não se encaixa nisso é excluído. Isso é uma pena, pois quem sai perdendo são essas pessoas que nos querem afastar. Inclusive, já comentaram, ridiculamente na minha opinião, que deveria só me relacionar, amorosamente, com pessoas iguais a mim .... Igual como? Modéstia à parte, sou gente boa!
Já me perguntaram sobre minha deficiência. Algumas pessoas, mesmo curiosas, não perguntam, por vergonha, preconceito ou por não quererem machucar, ou ainda por convenção social mesmo. Hoje em dia, perguntam mais. Perguntam se me sinto confortável em falar sobre minha deficiência. Na verdade, não lembro direitinho quando de fato cruzei essa linha, mas lembro de, quando ingressei na primeira faculdade, em 2005, Faculdade de Artes Dulcina de Morais, tomando um café na hora do intervalo entre as aulas, uma colega que era, na época, auxiliar de enfermagem, sentou-se em minha mesa e perguntou, primeiro, se estava tudo bem em falar sobre isso, se não me incomodaria que ela perguntasse o que eu tinha, e se era de nascença ou acidente. Aquilo mexeu comigo, mas não no sentido de ter me incomodado, ou de ter me deixado triste; ao contrário, achei uma boa oportunidade para tentar me expressar além das coisas que escrevia nas horas vagas na minha agenda, que fazia as vezes de diário; antes só escrevia sobre isso, o que foi e tem sido uma terapia para mim. Foi também nesta faculdade que fiz alguns trabalhos sobre o tema inclusão, adicionando minha visão pessoal.
Na faculdade, assim como nas escolas que frequentei, era a única aluna deficiente da turma; então, resolvi, de um jeito engraçado (para mim, pelo menos), fazer pequenos textos contando como me sentia sobre minha deficiência. Foi assim que surgiu “Fragmentos de Mim”, compilação minha junto com meu antigo professor, Túlio Guimarães. Aqui conto como foi que ele me “descobriu”. Aconteceu assim: estava numa aula chamada “direção de atores” e estava, para variar, rabiscando no meu “agendário”. Não costumo usar agendas para a função delas haha, então, na hora que a inspiração bate, eu escrevo, e uma dessas vezes em que ela veio foi na hora do intervalo. Todos da sala estavam se reunindo com dois ou três colegas para dirigi-los em sua cena e, eu, como de costume, sentei num canto da sala e fui retocar um dos textos que havia escrito, dentre os vários que tinha. Então, vendo que eu não estava trabalhando com ninguém, o professor viu o que eu estava escrevendo e, para minha surpresa, ele gostou e surgiu a ideia do monólogo. Fiquei tão nervosa quando chegou a hora de apresentar porque uma coisa é apresentar trechos de peças de teatro já montadas, outra completamente diferente é fazer algo que você escreveu, sobre sua vida.
Atualmente sou estudante de psicologia, 2ª graduação e, lá foi a primeira vez que encontrei outras pessoas com deficiência na faculdade, convivo com outras pessoas com deficiência na vela adaptada e no fashion inclusivo, e foi lá também que me deparei com amantes de astrologia, fora os que tenho fora da vida acadêmica. E, minha resposta para quem gosta de astrologia é:é importante? Sim, mas não é tudo. Assim como não quero que seja estigmatizada por um diagnóstico, também não quero que o façam pelo meu signo ou pelos meus signos, meu mapa astral. Astrologia faz parte, mas não é o todo. Mas claro, isso é só minha opinião.