Quando eu tinha oito meses, tive um princípio de pneumonia. Meu avô aproveitou o ensejo e marcou avaliações com um pediatra da clínica Dr. Reinaldo de Lamare, autor do livro “A Vida do Bebê”, e com um geneticista. O geneticista, após acurado exame, concluiu que eu não apresentava indícios de doença genética. O pediatra, no entanto nos encaminhou a um neurologista, e este, por sua vez, nos enviou a uma fisiatra. A partir daí, comecei a fazer exercícios de estimulação no Hospital de Medicina do Aparelho Locomotor Sarah que, originalmente se chamava Sarah Kubitschek.
Apesar de tantos exames sofisticados, não descobriram a causa do meu atraso motor. O máximo que conseguiram foi um nome para minha deficiência: A-T-A-X-I-A congênita de causa indeterminada. Pomposo não é?
Mas minha mãe é muito determinada.
Eu não engatinhava, mal levantava a cabeça. Não sabia ainda o que era felicidade, mas era muito, muito amada, e, talvez por isso, vivia rindo.
Mas quando eu tinha quatro anos, no final de 1989, quando passávamos as férias na casa de meus avós no sul de Santa Catarina,, minha mãe recebeu uma carta de meu tio Walter, que fazia um curso de mestrado na Inglaterra. Carta essa que mudou o curso da minha vida. Ele mandou um recorte do jornal “The Times”, sobre um instituto médico que havia na Hungria, o qual tratava de deficiências motores.
Quando voltamos a Brasília, mamãe entrou em contato com a embaixada da Hungria e conseguiu o endereço do Instituto Petö. Ela escreveu para lá...,, e, assim, a partir de Setembro de 1990, passamos os dois anos seguintes em constante viagens para a Hungria. Precisávamos pegar três aviões para chegar lá, sempre procurando o roteiro mais barato. Ora íamos via Alemanha, ou via Holanda.
Fomos cinco vezes à Hungria. Cada vez, ficávamos de três a quatro meses por lá e mais ou menos dois meses aqui, batalhando para voltar. Eu progredi muito. No Instituto, onde utilizavam uma técnica chamada Educação Condutiva, que busca treinar o deficiente para as atividades da vida diária, isto é, para ser independente, havia criança, e adultos do mudo inteiro e mais dois brasileiros, a Anna e o Henrique.
Meu grupo era muito pequeno em relação ao total dos pacientes, pois a ataxia é relativamente rara.
Voltei de vez para o Brasil em dezembro de 1992, com Sete anos.
Fiz amigos, visitamos várias cidades da Hungria.
Voltei andando, ainda com dificuldade e, passei a me dedicar à parte cognitiva (estudo), sem me descuidar (muito) da parte motora: fiz natação e equoterapia. Também já fiz teatro e biodança.
Sempre me senti rejeitada de alguma forma, deslocada, como se não fosse esse o meu lugar. Nunca entendia porque as pessoas me olhavam na rua de um jeito estranho, como se eu tivesse uma doença contagiosa ou coisa assim.
Nem sempre tive a oportunidade, ou melhor, a coragem, de dizer tudo o que sinto tudo o que penso, por medo de ser novamente julgada, e até de ser humilhada
Se falar tudo que sinto parece que eu estou me fazendo de vítima, ma olha gente, ainda dói. E como dói! Por mais que eu tente superar, não consigo, estou sempre ouvindo comentários sobre mim. Com quem saio que não posso sair, namorar ninguém por causar repugnância ou pena. Tudo isso ainda dói...
Nunca quis que sentissem pena de mim, só quero ser respeitada.
Quando era pequena, me questionava porque tinha nascido assim, diferente das outras pessoas.
O que as pessoas deveriam entender é que as diferenças existem e sempre estarão em todos os lugares.
Ser diferente não significa ser incapaz, só que isso implica em ter algumas limitações a mais do que os outros. Mas pensando bem, todos temos algumas limitações. Tive momentos em que pensei em desistir.
Sempre que chegava a uma escola nova, tinha medo de ser rejeitada por algum colega, o que acabava acontecendo só pelo fato de ter nascido um pouco diferentes dos outros.
Sempre que eu tentava me enturmar, todos me excluíam das rodinhas que se formavam na sala de aula. Sentia-me angustiada, frustrada, não entendia por que aquelas pessoas de quem eu tentava tanto me tornar amiga, me evitavam; olhavam-me torto. E eu vivia me perguntando: por que meu Deus, por quê? Eu não sabia o que fazer. Na hora do intervalo eu ficava num canto da sala torcendo para alguém ter coragem de falar comigo. Via as outras crianças brincarem e esperava por um dia que eu pudesse brincar também.
Alguns dos meus professores não sabiam como me tratar e acabavam me deixando de fora das atividades.
Um dia, cheguei em casa e perguntei à minha mãe por que, na escola, haviam me chamado de aleijada. Minha mãe disse que meus colegas me chamavam assim porque tinha dificuldade em caminhar e que aleijado era um termo pejorativo para definir minha condição e que talvez algumas pessoas pudessem continuar a me chamar assim.
Demorou um pouco para que alguém falasse comigo. Só aí perceberam que a minha deficiência motora não me incapacitava de conversar; enfim, de ter uma vida normal, mesmo com algumas limitações, mas uma vida cheia de alegrias e descobertas. E cada vez mais descubro algo sobre mim.
O teatro, que é minha paixão desde pequenina, me ajudou a descobrir meu espaço, até onde eu poderia ir, quando parar, enfim, me ajudou a me descobri. Descobrir que apesar das minhas limitações eu posso fazer parte de uma vida em cima dos palcos. Posso me tornar quem quiser, sempre tendo consciência das minhas limitações.
Qualquer pessoa, seja ela deficiente ou não, vai encontrar alguma dificuldade no que exerce. Há vários tipos de limitações. De nascença ou acidente, e, para isso são feitas adaptações a fim de poderem ser inseridos nas atividades.
Para o teatro, para o palco e para a vida, são necessárias pequenas modificações no cotidiano dessas pessoas. No teatro existem exercícios voltados para o corpo, e alguns movimentos devem ser muito cuidadosos para não “danificar” nada.
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